quarta-feira, 29 de julho de 2015

Os dois Bra$iS

por Sebastiao Barreto Campello
Presidente do Centro de Estudos do Nordeste – Cenor
sebastiaompc@gmail.com

Existem dois BRA$i$: Um muito rico no Sudeste e Sul e outro pobre e subdesenvolvido principalmente no Norte e Nordeste. Por que isso? Vejamos:

Em 1816 passou pelo Brasil o escritor inglês Henry Koster. Ao chegar a Londres ele escreveu um livro intitulado “Travels  in Brasil”, no qual ele afirma que é chocante a comparação entre a miséria de Piratininga (atual São Paulo) e Rio de Janeiro (capital do Governo Colonial) e a opulência do Nordeste.

Roberto Cochrane Simonsen, economista e Presidente da FIESP, fez um estudo clássico sobre a economia brasileira desde o seu descobrimento até o fim do século XIX: “História Econômica do Brasil” publicado em 1944. Nesse livro ele afirma que em 1850 Pernambuco detinha 50% do PIB brasileiro. Hoje temos 2,8%!

Em 1872 foi feito o primeiro recenseamento do Brasil. Nesse recenseamento o Nordeste surge com 65% do PIB nacional e o principal estado era Pernambuco.

A partir de 1808 foi criado em Pernambuco um imposto para custear a iluminação do Rio de Janeiro, onde encontrava-se D. João VI e a sua corte, apesar do Recife não ter iluminação, imposto esse que mereceu protestos de Gervásio Pires, quando Governador da Província, afirmando que “... contribuir o comércio desta para a iluminação da Província do Rio de Janeiro, entretanto, que esta jazia nas trevas... e por esta razão já fizera parar a remessa dessa contribuição para o Rio e o tem aplicado para a iluminação desta Capital”.

Na Assembléia Provincial de Pernambuco na seção de 09 de março de 1852, o Deputado Francisco do Rego Barros Barreto afirmava que “nove décimos da renda provincial é mandada para a corte (“ Por uma História do Império Vista do Nordeste”, José Antônio Gonçalves de Melo, 1966).

Em 11 de dezembro de 1845 o Diário de Pernambuco publicava que havia sido arrecadado na Província de Pernambuco Rs. 2,884:918$272 e que tinha sido remetido para o Rio de Janeiro Rs. 1,902:4117 $922, ou seja, 65,94%.

O mesmo Diário de Pernambuco, em 03 de março de 1846 publicou que a Província de Pernambuco arrecadou R$ 3,131:036$371 e que foram remetidos para o Rio Rs.2,113:258$097, ou seja, 67,49%. E acrescentava dramático: “Lá foram mais um anno financeiro, que passou 2:113 contos para o sorvedouro do Rio de Janeiro, a fim de engrossar as aguas impuras daquele oceano de desperdícios”.

No final do século XIX houve uma supervalorização do preço internacional do café e uma forte baixa nos preços do açúcar no mercado internacional. Os nossos produtores foram deixados ao “Deus dará” e muitos foram à falência. No café havia um sério problema: a abolição da escravatura retirara dos cafeicultores paulistas a mão de obra barata. Imediatamente o Governo Federal mobilizou-se e em parceria com o governo Japonês importou milhares de famílias japonesas que substituíram os escravos alforriados. Além de resolver o problema, essas famílias trouxeram conhecimentos tecnológicos agrícolas, que o nosso caipira não tinha, incorporando tecnologia à produção agrícola paulista!. Por que não se fez o mesmo com o resto do país?

No início da década de trinta a “quebra” da bolsa de New York levou o preço do café ao fundo do poço. O Governo revolucionário brasileiro comprou ao preço interno toda a produção cafeeira que seria exportada e queimou o estoque comprado para que não houvessem estoques disponíveis no mercado mundial que justificassem os preços baixos. Tudo às custas de emissões e da inflação resultante.

Em 1958 o governo Juscelino resolveu criar a indústria automobilística no Brasil e criou o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística). O GEIA estabeleceu que o imposto de importação de automóveis seria de 125%, impedindo praticamente qualquer importação de veículos.  Estabeleceu que a importação de máquinas para fabricar automóveis e peças para veículos poderiam ser importados com o Dólar subsidiado, durante quatro anos (valores decrescente de 100% para o primeiro ano, 75% para o segundo, 50% para o terceiro e 25% para o quarto ano) e que o Dólar, cujo valor comercial era de Cr.$ 80,00, fosse fornecido para esses privilegiados a Cr.$ 18,00. Finalmente aprovou quatro indústrias: Ford, Chevrolet, Willys Overland e a Volkswagen, Todas no ABC Paulista!. Os mineiros tentaram instalar a Fiat em Betim e passaram mais de dez anos para obter a permissão e sem os incentivos do GEIA!. O dono da Willys, que era bilionário, escreveu um artigo, no Times Magazine, dizendo que foi o melhor negócio que ele fez na vida!

Entre 1972 e 1980 o açúcar teve uma alta expressiva no mercado internacional, chegando a US$ 1.500,00/tonelada. Nesse período somente o Nordeste produzia açúcar e o monopólio da comercialização era do IAA. O IAA comprou o nosso açúcar entre US$ 250,00/ t e US$ 300,00/t e vendeu ao preço internacional. O confisco nesse período foi calculado em US$ 4 bilhões!. Esse fabuloso valor foi aplicado pelo IAA todo na região de Ribeirão Preto e no Oeste baiano, criando concorrentes que viriam a praticamente liquidar as nossas usinas.

Nos 22 anos (1962 a 1983) os incentivos fiscais à ordem da SUDENE totalizaram US$ 4,2 bilhões (usamos dólares porque nessa época a inflação impedia qualquer cálculo em cruzeiros).  Os incentivos fiscais tinham sido estendidos a SUDAM, ao reflorestamento, a EMBRATUR, a SUDEPE, ao PIN e ao PROTERRA.  Os destinados à SUDENE passaram de 100% para 19%!. Se não tivesse havido esses outros incentivos, os da SUDENE teriam passado de US$ 4,2 bilhões para US$ 24,9 bilhões!

(Nesse mesmo período os 10 maiores projetos incentivados fora da SUDENE (Tubarão, Cia. Siderúrgica Nacional, Ferrovia do Aço, Cosipa, Itaipu, Carajás, Tucuruí, Programa Nuclear, Aço Minas e telefonia) receberam US$ 50 bilhões, ou seja, 16,4 vezes mais, em 16 anos de implantação.)

O ICM foi baseado no TVA (Taux Sur Valeur Ajoutée) do Mercado Comum Europeu que só tributa o valor adicionado. Quando uma mercadoria atravessa uma fronteira, para ser revendida em outro país, está isenta do imposto, só sendo tributada na operação final, ou seja, o imposto é integralmente recolhido no país do consumidor final. No Brasil o ICMS é recolhido em parte ao Estado onde é produzido. Atualmente paga 7% (já foi 15% do valor da operação inicial).

(Assim, os Estados do Sudeste, onde se produz a maior parte da produção industrial, recebe do resto do país 7% das suas vendas!)

Em 31 de dezembro de 1938, Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei 915, que no seu artigo 1º, § 1º estabelecia que quando houvesse consignação, ou seja, a transferência da mercadoria da Matriz para a Filial, não haveria a cobrança do Imposto de Vendas e Consignações. Mas, quando se desse a venda o imposto seria cobrado e recolhido ao Estado de origem da mercadoria!

O artigo 165, § 7º da Constituição Federal estabelece que os investimentos federais devem ser proporcionais à população de cada região. O Artigo 35º das Disposições Transitórias da mesma Constituição estabelece que essa norma deve ser implantada em 10 anos. Já se passaram 26 anos e, segundo a Fundação Getúlio Vargas (Despesas Globais Regionalizadas da F.G.V.), o Nordeste recebe 6,85% dos investimentos federais, quando deveria receber 27,8% que é a proporção da sua população em relação à população brasileira (Censo de 2010).

(No PAC I, o Governo Lula fez um grande alarde porque investiria R$ 80 bilhões no Nordeste, num total de R$ 502 bilhões no país todo, ou seja, 15,9%, muito longe do valor estabelecido pela nossa Constituição!. Grande parte desses R$ 80 bilhões foram contingenciados.)

A própria Constituição no seu Artigo 103 estabelece que as Mesas das Assembléias estaduais podem entrar com uma ADIN, junto ao STF, por omissão de cumprimento de Dispositivo Constitucional, mas a nossa Assembléia nada faz, apesar de ter recebido um memorial do Centro de Estudos do Nordeste – CENOR a respeito do assunto e ter tido parecer favorável da sua própria Procuradoria Jurídica da Assembleia.

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